O século XIX, com a formação da sociedade industrial e burguesa e a consequente transformação do espaço, estabeleceu uma nova relação do homem com a paisagem e um anseio pelo reencontro com a natureza, que se traduz na arte através de paisagens românticas perpassadas pelas noções de belo, sublime e pitoresco.
No Romantismo, em oposição à visão científica, que tende a perceber o mundo natural como objeto de estudo e desconsiderar seu componente espiritual, a paisagem se encarrega de comunicar o natural através de imagens repletas de interioridade, emoção e sentimento (FAVERO, 2011, p. 207).
O conceito de sublime foi teorizado por Edmund Burke e, segundo o autor, seria caracterizado pela manifestação do ilimitado e de um máximo, de algo que vai além da capacidade humana de compreensão. O termo evoca a pequenez da humanidade diante do divino e da natureza. O sublime está presente nas pinturas que representam a imensidão da natureza em contraste com personagens ou construções humanas ínfimas. Já o pitoresco contrasta com o sublime, pois expressa-se em figuras de pequeno tamanho ou paisagens que emanam o sentimento de alegria, e não a grandeza, a potência e o terror. Contrasta também com o belo, na medida em que abrange a aspereza e irregularidade.
Nesse período, natureza selvagem e inexplorada da América foi vista por artistas locais e por viajantes que por aqui passavam como uma sublime manifestação do divino, e a paisagem romântica tornou-se um dos temas preferidos desses artistas. “A grandeza da natureza refletia a essência e a grandeza divina, mas também a grandeza da nação que estava sendo formada e, portanto, trazia consigo a promessa do próspero futuro que a aguardava” (FAVERO, 2011, p. 213). É possível observar nesses artistas um anseio pela representação das peculiaridades das paisagens latino-americanas, principalmente nos artistas viajantes, que tinham o objetivo de “catalogar” o que viam. Para alguns artistas, a paisagem é ainda utilizada como um elemento significativo no processo de construção da imagem da nação.

Este é o caso do retrato do militar e primeiro imperador mexicano Agustín I, também conhecido como Agustín de Iturbide, pintado em 1865 pelo artista neoclássico Primitivo Mirando, que foi aluno da Academia de San Carlos e em 1844 foi premiado com uma viagem para estudar em Roma. O imperador é retratado vestindo um traje militar e com a mão apoiada sobre a Ata de Independência do Império Mexicano, que se encontra sobre uma mesa coberta por um tecido verde, que contrasta com o seu traje e com a cortina vermelha ao fundo. Na mesma mesa encontra-se também o Plano de Iguala, que foi uma tentativa de estabelecer uma fundação constitucional ao México. Atrás de Agustín I se vê ainda duas colunas, comumente usadas em retratos de autoridades como símbolo de força, e por fim, a paisagem na janela, onde se observa o Vale do México com suas montanhas.
Ainda que apareça de forma discreta, o Vale do México aparece como um símbolo nacional e possibilita a localização geográfica daquela cena, adquirindo uma função cartográfica.
É importante destacar que em 1864, um ano antes da execução da pintura, houve a restauração da monarquia no México e o início do segundo Império, após um longo período de uma república marcada por conflitos e governos paralelos (1823-1864). O retrato de Agustín I é uma forma de legitimar o governo do segundo imperador, Maximiliano I, e a união de uma típica paisagem mexicana com a imagem do primeiro imperador auxilia à criação do imaginário coletivo desejado pelo poder imperial.
Mais do que o espaço exterior ao homem, a paisagem é produto de uma maneira de ver o espaço externo. Ao contrário do ponto de vista da geografia, que tende a reduzir a paisagem às forças naturais, a arte lhe atribui um significado, transformando-a em um signo integrante de um imaginário social (FÍGOLI, 2007).
O Vale do México é um cenário comum nas pinturas do século XIX. Alguns exemplos notáveis são as obras do mexicano José Maria Velasco e do viajante alemão Johann Moritz Rugendas, a partir dos quais podemos retomar a discussão sobre a paisagem romântica. Nas obras de ambos os artistas observamos a expressão do pitoresco. Os dois artistas retratam pequenas figuras humanas em ações cotidianas, inseridas em um cenário natural imenso onde é possível observar ao fundo uma tímida presença de construções humanas.

Velasco é conhecido como o pintor do Vale do México. Porém, longe de esgotar essa paisagem, o artista soube retratá-la com singularidade em cada ocasião e recebeu críticas positivas na época, apesar de sofrer um ataque por parte do poeta e crítico Altamiriano, que acusou Velasco de restringir-se a paisagens monótonas e repetitivas. No primeiro exemplo trazido, Valle de México desde el cerro de Santa Isabel, pintado em 1875, Velasco insere as figuras humanas não como meros acessórios, mas como importantes componentes na poética da composição, contrariamente à visão de Dawn Ades, que as considera “insignificantes figuras de caráter pitoresco” (ADES, 1997, p. 106). Seguindo a tradição de pintores românticos alemães, como Casper David Friedrich e Joseph Anton Koch, Velasco explora a relação romântica das figuras humanas com a paisagem. Dois personagens de feições indígenas transitam da cidade para o campo, refletindo a relação romântica do povo com sua terra ancestral e as dificuldades socioeconômicas. Em um período de construção da identidade nacional do México, o artista une o orgulho nacional com a poética romântica, transformando o próprio Vale do México em uma obra prima romântica. Suas pinturas tornaram-se símbolos do México ao serem levadas para feiras mundiais no final do século XIX.

Já em El Citlaltépetl de 1879, Velasco traz o tema da modernização do país através da representação da estrada de ferro da Cidade do México – Veracruz, concluída em 1872, um dos maiores feitos da engenharia latino-americana até então. A modernidade da estrada de ferro contrasta com a natureza selvagem e tropical, enaltecida pelos vulcões e pela folhagem típica da região que também contextualizam geograficamente aquela cena. São contrabalançados o passado e o presente, natureza e tecnologia.

Na vista do Vale do México pintada pelo alemão Johann Moritz Rugendas, é possível notar uma maior preocupação com os detalhes da vegetação, que ocupa o primeiro plano. As imagens da vegetação, dos costumes, assim como as próprias amostras de plantas, animais e rochas levadas pelos viajantes à Europa, criaram uma cultura visual e inseriram a América Latina no imaginário europeu, alimentando uma curiosidade paisagística.
Enquanto Velasco utiliza as figuras humanas de forma alegórica, Rugendas preocupa-se em demonstrar aspectos étnicos e sociais. Embora sua maior preocupação nessa pintura seja a paisagem e a vegetação, nota-se uma atenção especial dada às vestimentas das figuras humanas, que são apresentadas com maior diversidade e riqueza de detalhes do que na pintura de Velasco.
Podem ser distinguidos, segundo Dawn Ades, pelo menos quatro categorias temáticas tratadas pelos artistas viajantes: científica, ecológica, topológica e social. Essas quatro categorias estão presentes na obra de Rugendas. A científica e a ecológica, na medida em que apresenta espécies vegetais desconhecidas pela Europa; a topológica, por se tratar uma ampla vista de um sítio de importância geográfica, e a social, por apresentar a diversidade étnica, as atividades e trajes típicos da região.

No caso do arquiteto e artista viajante inglês, Frederick Catherwood, poderia ainda ser adicionada outra categoria: a arqueológica. Na litografia que ilustra o livro Views of Ancient Monuments in Central America, Chiapas and Yucatan, publicado em 1844, a figura humana está ausente, mas seus feitos estão presentes. O artista executa uma paisagem onde se destacam os vestígios materiais das antigas civilizações mesoamericanas.
Catherwood, ao lado do diplomata e advogado norte-americano John Stephens, inaugurou a arqueologia maia com duas expedições realizadas entre 1839 e 1841. Enquanto Stephens realiza meticulosas descrições das ruínas maias, ricas em detalhes, Catherwood realiza desenhos totalmente desprendidos dos excessos artísticos e fantasiosos de seu tempo, enfatizando “ uma natureza exótica da civilização maia, focada nos templos mais visíveis e nos monumentos de modo geral”. (NAVARRO, 2008, p. 351)
A técnica da litografia, desenvolvida na Europa no final do século XVIII, chega em países da América Latina na década de 1820 e foi um importante agente difusor das imagens locais, criando na Europa uma iconografia latino-americana. Um dos temas de grande interesse dos gravadores viajantes eram as ruínas das antigas civilizações, como as retratadas por Catherwood. Suas litografias alimentaram a curiosidade dos europeus um interesse científico.
Os trabalhos destes e de outros artistas trouxeram à consciência nativa, através de publicações populares sobre arqueologia, as origens milenares e a enorme importância das primitivas civilizações americanas. Dessa maneira, ressaltaram-se as novas diferenças contrárias aos julgamentos artísticos que haviam feito da palavra “nativa” sinônimo de inferioridade e fixado padrões externos para a aceitação ou exclusão cultural (ADES, 1997, p. 60).

O tema da memória das antigas civilizações também está presente na obra Haravicu, do artista peruano Francisco Laso. Conhecido por suas pinturas enigmáticas, Laso se refere aos poetas do antigo Império Inca, que transmitiam seu trabalho através da oralidade. O artista insere no primeiro plano figuras humanas com traços físicos e trajes indígenas, entre os quais há um homem, à esquerda, com a mão estendida, falando com o restante do grupo, que o ouve. Laso insere ao fundo uma típica paisagem andina, com montanhas e lhamas, animal característico da região e que teve grande importância durante o Império Inca, servindo de transporte para as colheitas e fornecendo lã para a produção de tecidos. Desta maneira, o artista supõe que as memórias dos ancestrais seguem vivas entre os indígenas peruanos.
O artista adota a estética neoclássica, com uma composição formal harmoniosa e simplificada, disposta em planos ortogonais, além de contornos claros, lineares e bem definidos. As figuras humanas são retratadas de forma sólida e monumental. Entretanto, o artista propõe um tema típico da pintura romântica.
A imagem é cortada verticalmente por um único personagem que está de pé e virado de costas. A figura humana de costas é um elemento muito presente em paisagens de pintores românticos, como Caspar David Friedrich, sendo ela um emblema da experiência romântica com a natureza. O personagem se volta para a paisagem, contemplando-a, ao mesmo tempo em que o ato olhar para trás remete à nostalgia do espírito romântico.

Já o chileno Antonio Smith consegue captar os aspectos sublimes da paisagem andina. Em Crepúsculo Marino, vemos mais uma vez uma figura humana de costas contemplando uma paisagem, mas desta vez o homem quase desaparece na imensidão daquela natureza selvagem.
Diferente dos artistas apresentados anteriormente, Smith pinta uma natureza turbulenta, potente, feroz. O artista lança mão de uma iluminação pouco difusa, tornando difícil a apreensão de cada detalhe pela visão, o que torna aquela paisagem ainda mais misteriosa, ao contrário de artistas viajantes como Rugendas e Catherwood, cujas pinturas têm uma função descritiva que demandam maior clareza. Smith é mais poético e explora o potencial expressivo da luz e da sombra. Há um forte contraste entre claro e escuro, com sombras tomando grande parte da composição e pequenos pontos de luz no centro.

Em El Rio Cachapoal, o artista pinta uma paisagem montanhosa cortada diagonalmente por um rio. Desta vez não há figura humana e há maior clareza na composição. O artista trabalha com maior precisão as texturas, acentuando a tensão entre os elementos da natureza: água e rochas. Se a expressividade de Crepúsculo Marino afastava Smith dos artistas viajantes, uma certa objetividade em El Rio Cachapoal os aproxima. No entanto, sua obra não pode ser considerada puramente descritiva. O artista tenta expressar a grandiosidade da paisagem, acentua as irregularidades da estrutura espacial e contrasta o céu sereno com a fúria da correnteza do rio. Há um gesto romântico de exaltação da natureza e a busca por um tema nacional, ao propor uma paisagem tipicamente andina.
A paisagem ainda era um tema pouco explorado no Chile e Smith é considerado um dos iniciadores do gênero no país. Em 1861, o artista viaja para a Europa e estuda com o paisagista italiano, de estilo romântico, Carlo Markò. Ao retornar, Smith se contrapõe à abordagem comumente utilizada na academia, que considerava a paisagem apenas um pano de fundo para a pintura histórica, e propõe uma prática artística focada na experiência direta com a natureza.
Nas obras analisadas foi possível perceber diferentes funções da paisagem na pintura da América Latina do século XIX. Em Primitivo Mirando, ainda que apareça discretamente como pano de fundo, a paisagem cumpre a função de alimentar um imaginário nacional e contextualizar geograficamente a cena retratada. O mesmo acontece na pintura de Laso, onde a paisagem ao fundo complementa a história contada pelas figuras no primeiro plano. Já em artistas como Velasco, Rugendas e Smith, a paisagem é de fato a protagonista, mesmo que figuras humanas apareçam e tenham alguma função alegórica, como os personagens de feições indígenas que transitam da cidade para o campo na pintura de Velasco. A paisagem é assumida como um gênero pictórico autônomo e revela o interesse dos artistas pela criação de um imaginário local. Ela foi ainda um importante agente difusor de uma iconografia latino-americana na Europa, principalmente quando transformada em gravura, como as imagens vestígios arqueológicos de Catherwood.
As pinturas citadas, ainda que possuam divergências poéticas, carregam em comum elementos que as caracterizam como latino-americanas, como a geografia, a vegetação e a luz, criando cartografias artísticas e contribuindo, em cada caso, com a criação de uma identidade nacional.
REFERÊNCIAS
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: CosacNaify, 1997.
ARTISTAS VISUALES CHILENOS. Disponível em: <http://www.artistasvisualeschilenos.cl/658/w3-article-78110.htm>. Acesso: 15/10/2017.
ENCINA, Juan de la. El paisajista José María Velasco (1840-1912). Alicante: Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes, 2013.
FAVERO, Franciele. O romantismo e a estetização da natureza. DAPesquisa n. 9. Santa Catarina: UDESC, 2011.
FÍGOLI, Leonardo H. G. A paisagem como dimensão simbólica do espaço: o mito e a obra de arte. Sociedade e Cultura, vol. 10, n. 1. Goiânia: UFG, 2007.
LAMADRID, Emilio. Agustín de Iturbide, mitos y verdades: ¿Autor o consumador de la independencia? ¿Héroe? ¿Traidor? ¿Víctima?. Pharus Academiæ, n. 9, Tamaulipas: Instituto de Estudios Superiores de Tamaulipas, 2011.
LEMPÉRIÈRE, Annick. ¿Nacion moderna o república barroca? México 1823-1857. Bibliothèque des Auteurs du Centre, 2005. Disponível em: <http://nuevomundo.revues.org/648>. Acesso: 22/09/2017.
NAVARRO, Alexandre Guida. A civilização maia: contextualização historiográfica e arqueológica. História, vol. 27, n. 01. São Paulo: Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, 2008, p. 351.
OCHORA. Arturo Aguilar. A litografia como veículo difusor da obra dos artistas viajantes: imagens do México entre 1828 e 1847. Revista Porto Arte, v. 15, n. 25. Porto Alegre, 2008.