Carpinturas – Lin Lima

Tendo o desenho como ponto de partida, o lápis deixou de ser, para Lin Lima, apenas um instrumento. Tornou-se aquilo que dá materialidade às suas criações. Com isso, o artista desconstrói o que usualmente compreendemos como desenho. Mais do que isso, sua produção resiste a qualquer categorização precisa: escultura, pintura, ready-made, desenho — todos esses termos podem ser convocados, mas revelam-se insuficientes diante da pulsão experimental que atravessa seu processo criativo. Seu trabalho habita, com radicalidade, a complexidade de um campo expandido do desenho.

A exposição Carpinturas apresenta um conjunto inédito de obras realizadas com lápis de carpinteiro — objetos cuja forma retangular e achatada impede que rolem durante o uso em contextos de marcenaria e carpintaria. Trata-se de um material carregado de memória para o artista, que se formou como técnico em edificações antes de graduar-se em pintura pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Esses objetos também se destacam pela cor e pelas listras em sua superfície, que lhes conferem um caráter pictórico e são responsáveis por tornar mais dinâmicas as composições aqui vistas.

É justamente do entrelaçamento entre carpintaria e pintura que emergem os trabalhos desta exposição. Neles, é possível perceber reverberações de diversos movimentos artísticos de matriz construtiva — como o minimalismo, o neoconcretismo, o suprematismo e o construtivismo. Como um entalhador meticuloso, Lin Lima retira a madeira que envolve os lápis, desafiando a fragilidade dos grafites que se tornam linhas, veios e tensões visíveis em suas composições. Após esse gesto escultórico, os lápis são organizados com precisão sobre superfícies de madeira e, pela primeira vez, diretamente nas paredes, explorando múltiplas possibilidades construtivas que transitam entre o geométrico e o orgânico. Predominam sucessões de listras paralelas, interrompidas pelas áreas desbastadas que revelam o interior e o atravessamento dos materiais. Rejeita-se a simetria, a composição racional e a repetição mecânica em favor de ritmos ondulantes, imprevistos e irregulares.

Em Carpinturas, o artista introduz ainda um novo elemento: lixas para madeira. Inseridas sob os lápis ou em suas interseções, elas ampliam o repertório material e visual de seu trabalho. Oriundas do mesmo universo da marcenaria, as lixas adicionam não apenas novas texturas, mas também outras camadas cromáticas e rítmicas, enriquecendo as composições com contrastes táteis e visuais.

Entre os movimentos evocados na exposição, talvez o minimalismo se imponha como o mais evidente. Ele se manifesta na repetição e na serialização dos elementos, bem como na relação direta das obras com o espaço arquitetônico. Além da já mencionada aplicação direta nas paredes, sem molduras ou suportes, as assemblages de lápis em formatos cúbicos (ou “tijolos”) dispostas no chão, bem como uma pintura listrada encostada no canto da parede, estabelecem um diálogo com as tensões entre arquitetura e não-arquitetura, recorrentes no minimalismo norte-americano, e remetem a nomes como Donald Judd e Carl Andre. No entanto, Lin Lima não repete os gestos desses escultores dos anos 1960, imersos em um contexto industrial e desenvolvimentista. Suas obras carregam um sotaque brasileiro — marcado pela estética da gambiarra, da precariedade criativa e da improvisação.

Em contraponto ao caráter mecânico e fabril dos movimentos construtivos, Lin Lima afirma uma poética do trabalho manual. Seus gestos são expressivos, cuidadosos, silenciosos — quase litúrgicos. O material, tão cotidiano quanto singular, é manipulado com rigor e leveza, produzindo sentidos metafóricos e plásticos que se revelam aos poucos. Assim, Carpinturas propõe não apenas uma nova maneira de ver o desenho, mas também de pensar o fazer artístico: entre o rigor da construção e a liberdade do improviso; entre a técnica e a sensibilidade.

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