A explosão do axé ocorreu nos anos 1980, momento de redemocratização do Brasil após uma longa e violenta ditadura militar, que atuou contra as expressões de subjetividades e em desfavor da produção de espaços efetivamente públicos. Impossível, portanto, dissociar o axé dos vários movimentos de ocupação das ruas que nasceram naquele contexto, desde as Diretas Já até as manifestações de artes visuais derivadas da Geração 80 ou em confronto com ela. De forma consciente ou não, os artistas em ascensão naquele período, tanto nas artes visuais como na música, foram afetados pela abertura política. É de demasiado peso simbólico que um dos eventos artísticos mais emblemáticos da década, a exposição "Como vai você, Geração 80?", tenha sido inaugurada na data de aniversário da Queda da Bastilha, em 14 de julho de 1984, além do fato de não ter sido realizada em um museu ou galeria, mas numa escola de artes visuais (EAV – Parque Lage), o que reitera o caráter jovem e o frescor daquilo que estava sendo apresentado nas salas, corredores, piscina e até no banheiro da instituição (imagem 2). Em clima de festa, ou de “manifesta”, a mostra anunciava a chegada de uma nova geração, que cresceu nos anos da ditadura, mas que, naquele instante, inaugurava uma nova era para as artes e para o cenário político nacional. O remix, o hibridismo e o espírito de liberdade que tomou (não só, mas sobretudo) a pintura da Geração 80, encontra evidentes paralelos no axé e no carnaval. Lembremos da obra de Beatriz Milhazes (imagem 3) e de sua fascinação pela produção do carnavalesco Fernando Pinto, figura que, também devemos frisar, participou dos circuitos da Geração 80 com exposições de suas criações para o carnaval. Embora os discursos críticos (da época e atuais) busquem o espírito da época, majoritariamente, no rock’n’roll do Barão Vermelho e dos Titãs, o que não deixa de ser verdade, essa história precisa ser escovada a contrapelo, como diria Walter Benjamin, para que possamos apreender as diversas faces do caldeirão artístico dos anos 1980.
"Só pode ter sido pintado por um louco". Estas são as palavras escritas a lápis no canto superior esquerdo da famosa pintura "O Grito", de 1893, do norueguês Edvard Munch. A pequena frase, quase invisível, foi anotada pelo próprio artista, segundo apontam exames recentes feitos pelo Museu Nacional da Noruega com scan infravermelho e análise de caligrafia.
Em 1992, enquanto o movimento dos Caras Pintadas ocupava as ruas do Brasil pelo impeachment do então presidente Fernando Collor, uma jovem cantora chamada Daniela Mercury fazia o Museu de Arte de São Paulo tremer, literalmente. A apresentação da artista no projeto Som do Meio-Dia reuniu cerca de 30 mil pessoas no vão livre do Masp, o que provocou a interdição da Avenida Paulista e fez tremer a laje que recobre o andar inferior do museu, sacudindo também as obras lá dentro. O happening de Daniela Mercury foi não apenas uma das intervenções urbanas mais grandiosas da década de 1990, como teve maior êxito do que qualquer trabalho dito “transgressor” de arte contemporânea em colocar em confronto uma instituição artística com a energia que emana das ruas.
Saiu minha coluna de fevereiro na revista Caju, em clima de carnaval. Escrevo sobre os significados do axé e dos blocos afro, como o Ilê Aiyê (imagem 3), na retomada dos espaços públicos após a ditadura. Compreendo que a riqueza do axé está no fato de ser mais do que um movimento musical. É também um movimento performático, de afirmação de identidades, baianidades, africanidades, liberdades e ocupação lúdica das ruas, cuja eclosão coincide com a redemocratização do Brasil, o movimento Diretas Já (imagem 4) e a Geração 80 (imagem 5).