Alphonse Mucha é, sem dúvida, um dos artistas modernos mais citados e indiretamente referenciados, embora talvez ainda seja pouco conhecido pelo grande público no que diz respeito ao conjunto de sua obra, seu pensamento, sua vida e suas contribuições para o design e a arte moderna, sobretudo no Brasil – vide a ainda escassa bibliografia sobre o artista tcheco em língua portuguesa. Sua influência é notada até hoje em propagandas, no design de embalagens e até no universo dos mangás e animes. A penetração de seu legado em nosso cotidiano é tão naturalizada que muitas pessoas não têm consciência de que parte das imagens e produtos que as cercam se desdobra do pensamento de uma figura singular, preocupada em criar uma arte barata e acessível tanto para famílias mais pobres como para as abastadas. Arte para pessoas, e não para salas de estar privadas, segundo suas próprias palavras. Aí está um dos méritos da exposição Alphonse Mucha – O legado da Art Nouveau, que esteve em cartaz recentemente no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro, após uma temporada no Centro Cultural Fiesp, em São Paulo. A mostra apresentou ao público brasileiro, pela primeira vez, mais de 100 obras de Mucha, entre pinturas, cartazes, fotografias, objetos e embalagens, além de abarcar suas influências na cultura visual contemporânea, desde os cartazes psicodélicos ingleses e estadunidenses da década de 1960, até recentes obras de ilustradores japoneses e sul-coreanos.

Mucha é um representante emblemático do Art Nouveau (arte nova, em francês), movimento que surgiu no final do século XIX na Europa, com forte expressão em Paris, cidade onde o artista viveu por alguns anos e conquistou seu reconhecimento graças, principalmente, aos cartazes (mas também figurinos e cenários) realizados para os espetáculos de Sarah Bernhardt, a maior personalidade teatral parisiense daquele período. Ainda em Paris, o artista produziu para indústrias os cartazes que consolidaram o “estilo Mucha”, seu estilo decorativo e delicado, inspirado em motivos ornamentais de diversas origens (japonesa, celta, islâmica, grega, gótica, rococó), mas também, e sobretudo, em sua terra natal (a atual República Tcheca), cujos trajes típicos, flora e produção artística foram as principais referências para a organicidade de suas curvas, seus elementos botânicos e padrões geométricos. Mucha também projetou embalagens para produtos e objetos ornamentais, fiéis ao estilo de seus famosos cartazes.

O Art Nouveau se situa entre dois polos dos debates sobre a ligação da arte com a indústria no século XIX. De um lado estava a fé na máquina, a possibilidade de criação de produtos em série e com preços mais acessíveis que, contudo, saíam da fábrica padronizados, com ornamentos mais contidos e de gosto duvidoso, de acordo com a ótica dos críticos da vertente oposta. Do outro lado estava a descrença na Revolução Industrial, artistas e artesãos que militavam pelo retorno dos meios de produção medievais, com peças de ornamentos refinados, feitas à mão, individualizadas. A desvantagem das práticas desta segunda vertente – representada pelo movimento Arts & Crafts – estava no alto custo das peças produzidas, que contradizia sua vontade de democratizar a arte. O Art Nouveau propôs uma solução a esse embate, embora não tenha resolvido a questão da elitização, uma vez que seus principais produtos (arquitetura, mobiliário, ourivesaria, prataria, cerâmica) eram destinados às classes mais abastadas, deixando para o povo apenas seus subprodutos. Sendo o primeiro movimento artístico moderno voltado para o design e a arquitetura (para depois se expandir para a pintura, gravura e outros meios), ele provou ser possível conciliar a delicadeza ornamental com os meios de produção industriais. Marcado em suas formas por curvas orgânicas, assimétricas – e ocasionalmente geometrizadas – que aspiram à abstração, o estilo abrangia produções em materiais como ferro fundido e vidro. O Art Nouveau se espalhou rapidamente pelo mundo, chegando ao Brasil, que tem entre seus exemplares mais conhecidos a arquitetura do Theatro José de Alencar (Fortaleza), da Confeitaria Colombo (Rio de Janeiro) e do Teatro Amazonas (Manaus).
A presença, muitas vezes alegórica, da figura feminina, além das composições com flores e outros motivos da natureza que caracterizam o estilo de Mucha, foram tornados elementos-chave do Art Nouveau. O artista também desenvolveu um manual publicado em 1902, chamado Documents Decoratifs (Elementos Decorativos), com 72 placas de estudos analíticos de formas da natureza e seu uso prático. O livro foi adotado em escolas de arte na França, Rússia e Estados Unidos, contribuindo para a disseminação de seu estilo e ideais estéticos.

Embora o estilo decorativo de Mucha tenha sido combatido pelo pensamento moderno funcionalista da primeira metade do século XX (representado pela Bauhaus), ele foi revalorizado pelos movimentos de contracultura da segunda metade do século e voltou a inspirar artistas, designers, ilustradores e arquitetos. Não por acaso, em 1975, foram compiladas e publicadas postumamente, em formato de livro, as anotações de aulas de Mucha, frutos de sua longa carreira como docente em Paris, na Académie Colarossi e na Académie Carmen, e nos Estados Unidos, no Art Institute of Chicago. O livro Alphonse Mucha: Lectures on Art apresenta sua filosofia da arte, sua preocupação com a beleza, harmonia e comunicabilidade.



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Simplesmente perfeito, o sobre seu trabalho e influência em obras que eu mesmo consumia e não sabia sobre isso. Excelente
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